terça-feira, 30 de junho de 2009

os olvidos
pulsos do vento
em suicídio,
cabeceando o ombro,
descobrem os escombros
das pálpebras entretecendo
sob a luz da casa, o escuro socorro do sono.

quinta-feira, 18 de junho de 2009


na tarde
precipitámos a noite
do astro de nossas bocas vertendo silêncio
de teu corpo relâmpago em mãos
abriram-se horas, meses, anos e
escorremos e fomos muitos e
pouco e mãos e
medo e …
reencontramo-nos eras segredo e
eu já nem sou…
de fugir para ti,
sem que a fuligem da noite plúmbea
adie os concêntricos de sono e sede,
recendida.
sou ora habitante do escuro ora
lembro-me…

terça-feira, 9 de junho de 2009

o medo expande animais rápidos
que se imobilizam ao primeiro zumbido do silêncio
de cabeças voltadas para o vulto que se recolhe
tragando a noite para dentro

no medo
o silêncio será atraído pelos zumbidos
espirais de insectos
a evolução de gérmen devorará
o resto,
depois dos focinhos arrefecerem

terça-feira, 21 de abril de 2009

Deserto a vida
No covil (não sei outro lugar para o escuro).
Mas de angustia e saber que sabem vocês
Que herdaram a moral e vida?
Que vida e moral repetem?
Quem querem confortar,
Com o vosso amor pré-formado?
Sei que no escuro faz frio,
Que me faz o rosto soturno e
Lama de lágrimas e terra.
Apenas infância me prefere
Assombrar,
Antes de umas festas
Ao animal que sou.
Mas aos espelhos nunca direi palavra,
Confortem-se vocês ouvindo-se.
Querem ser pastores, pastem-se!
Deixem-me é uivar aos precipícios
Que bem entendo (são o único destino
Que tenho para sair do covil) e amargurar
Ao mundo a voz.
Sejam felizes que eu serei sempre inoportuno e
Assustador. Sejam felizes e deixem-me sozinho!

quarta-feira, 15 de abril de 2009



Fossil de infância
"Os momentos são fragmentos de espelhos, abandonados no presente ao acaso."
Eu

corria para a minha mãe.
Na bivalvia das mãos,
algum bicho
revoltava.

«-Olha, mãe!»
Dizia enquanto abria
o molusco da novidade.

O que trazia
morria
e eu não queria
a morte, sozinho.

terça-feira, 14 de abril de 2009

In each drop of blood
I feel a string
and a chemical puppet,
guided by voices,
relieves is instinct
on the universe.
Nothing in me
apologizes for being inevitable
and I resent myself
in the absurd of the infinity
that the last man in me persuades,
to survive the madness
of presence.

Revolta

Para que se escreva, é necessário a inadaptação presciente dum corpo moral que se prerrompe. Eu que marginalizo a moral do intelecto, escrevo em revolta. E se aborreço o leitor com preâmbulos conceituais, é para adverti-lo de que nada farei por si, ninguém pretendo cativar ou elucidar.

I


Os pés escorregavam fundamente no lodo, quando me apercebi onde estava e de como ali chegara, já o vácuo que vencia para andar me desequilibrara. Nada melhor para um sonâmbulo que acordou em pânico do que tomar consciência, desenterrando o corpo do lodo que um complexo industrial, há muito tornara nauseabundo.
– Merda – disse respingando dos lábios, em grandes passadas para a “praia”.
A “praia” era uma língua de areia, pouco branca e íngreme, com a submersão das marés definida pelo lodo que os esgotos das fábricas tinham criado. A sua inutilidade tinha transformado as barracas de pescadores em garagens e dois moinhos em aberrações. Mas tudo isto a noite e a neblina do estuário tinham transformado no bolor soturno, nada primaveril, onde, sacudindo-me como um cão, ouvia gritos e gargalhadas.
«-Já devia andar pela praia há algum tempo!» – pensei, enquanto tirava um vidro do pé.
«-Aqueles gajos não me deixariam passar em roupa interior, sem me foderem o juízo. Paciência…tenho que por lá passar. E assim vou vestido para casa.» – cismei ainda.
Os três viram-me chegando ao alcatrão e calaram-se enquanto bati os pés que deslizaram um pouco sobre a gravilha solta de alcatrão gasto.
Antevira o que se iria passar (Há muito me habituara a pensar em violência. Quando nos bares pressentia que podia apanhar, calculava as distâncias e a força que tinha de gastar para partir a cerveja na cabeça (teria que ser num osso para que o vidro se partisse) do primeiro e cortar os outros, ou se na rua, quando corriam nas minhas costas, procurava pedras na calçada, virava-me para encará-los). Passaria do outro lado da estrada (pois, se me aproximasse poderiam julgar-me capaz de lhes dar problemas, o que, sem nada para roubar de nada lhes valia, assim, confiantes, valendo-se do que me ignoravam, cobrir-me-iam de impropérios e perseguir-me-iam), quando me interpelassem, insultá-los-ia, de maneira a não denunciar os movimentos na aproximação e eles viriam, como vieram ao mundo, cegos e estúpidos.
Detesto violência, não por alguma moral, (nem me lembro em que poça de sangue a perdi) mas porque tinha que olhar muito os outros para prever-lhes os movimentos, o que é aborrecido. Faço-o por necessidade.
Senti o lado esquerdo do tronco quente, ouvi as passadas de dois afastando-se do gemido e do tombo do que tinha a faca espetada na perna. Tinham-me cortado nas costelas, rasgando a camisa interior, olhei os vinte centímetros do corte e atei a camisa á volta do tronco, gritando. Perguntei-me se o tipo ainda me daria chatice (talvez por causa do corte, não tivera reflexos para suster a faca na mão, quando a perna fugira.). Felizmente eles tinham ido para aquele ermo fumar erva (se tivesse bêbado o tipo ainda estaria a dar coices).
Em breve estava na marginal, vestido e a coxear (ainda teria vidros no pé?) tinha que chegar a casa antes de desmaiar.
- Tão man, ainnnna bem, tás bem? – era o Fernando.
- Tudo. Ouve, passaram aço p’la pele, dás-me boleia?
-Ya, mas quem foi?
-Caga, o dread foi bacano e deu-me a roupa.
Vendo-me baixar a cabeça, sentou-me num dos bancos de jardim e afastou-se dizendo: -Ainda te cospem chumbo p’ra cima.
Acordei sustido nos braços dele, mas por pouco tempo, caí e fiz-lhe mossa no carro com a cabeça.


II

Havia um sentido ténue que diminuía, arquejando a consciência que mantinha presa nas pontas a que se prendiam todas as consciências face ao infinito. Foi a tensão de duas palavras que o convenceram: «Eu morri!». O corpo se repulsou, expelindo-se para uma vertigem crescente que tornava o eu impossível dentro da amora infinita, sabia-se por mero ideal que voando na vertigem, planou sobre a terra, sentindo a massa dos astros repousada nas costas.
De súbito, sentiu-se num escuro frio e estéril que se começou a quebrar. E eclodindo dum ovo viu dois lobos abocanhando-se pela garganta, num rugido ensurdecedor que logo o voltou a repulsar. Desta vez a vertigem era voltada do avesso, algo inexplicável que se tornava cada vez mais evidente. O corpo era agora expelido a uma velocidade impossível, na massa dos astros que granjeavam num prazer estonteante. Lembrou-se da terra ainda por momentos mas, o universo dava prazer e felicidade incomparáveis. Tão feliz ia que sentiu pânico suavemente, como uma brisa percorrendo-lhe o corpo, apenas, momentos antes do embate com o planeta que percebera há já algum tempo na rota da sua projecção. Só depois do planeta explodir teve coragem para rir, sem medo de que tudo acabasse. O prazer redobrou-se ao tomar consciência sua invulnerabilidade, então ria, ria e ria cruzando a imensidão, colidindo. E se tentava abstrair-se da felicidade era para ver o espectáculo flamejante das estrelas explodindo, ao seu impacto.
Mas cada colisão estrelar, acelerava-o, as estrelas mais próximas começaram a deixar incómodos, riscos de luz na retina. Só as estrelas longínquas lhe davam ainda a decantação da envolvência espacial que ia perdendo…
Nem pestanejou ao ver-se engolido por um buraco negro…


III

A mão entrou-lhe no saco vazio e recipiente que pressentia preso ao princípio da boca, agarrou a mão e puxou-se para fora.
Endireitou-se na cama olhando as mãos, lembrando-se da massa humana que o arrebanhava pela errância dos dias. Sentiu que mesmo fugindo das cidades, as deformações do rebanho eram já as suas, que nunca se livraria daquela acumulação do eu, abjecta e disforme. A consciência fossilizada neste âmbar, fê-lo chorar.
Parou de soluçar ouvindo os cães do vizinho, ladrando à mulher que fazia a limpeza às escadas do prédio. Procurou os chinelos, calçou-os e foi para a casa de banho. Ao ligar o interruptor sentiu que o corpo desabaria de emoção, mas pensou que cair ali sem que ninguém o visse, seria ridículo.
Olhava agora os pontos que a Lena lhe tinha feito. A Lena era uma médica que ele tinha ajudado, livrando-a dum namorado agressivo e dando-lhe guarita por uns tempos. Ela tinha-lhe ficado grata, remendava-o quando era preciso afastar a bófia do caso, o Fernando também a conhecia. Adivinhava-lhe a cara desapontada com que ela o havia tratado, quando lhe voltou o pensamento: «Porque se teria achado ridículo, ao pensar que cairia?», «Não seria exactamente esse um sintoma da deformação, o erro contagiante dos homens?», «Que identidade colectiva e estéril nos obriga ao ridículo?» e «O sentimento seria o mesmo se alguém ali estivesse para vê-lo cair, então porque se sentiria assim?».
Lavou-se, encaminhou para o frigorífico e parando defronte dele, sentiu-se mais ridículo que nunca, foi para a varanda e atirou-se do quarto andar. O seu último pensamento foi: «Merda! Nem me vesti…».
Tremeu um pouco de frio antes de mil bocados de consciência ressaltarem no chão para fora do corpo. Eram cinco e vinte seis da manhã, ninguém o viu até às cinco e cinquenta e oito da manhã.